O poder do "não" na minha vida

Na vida, há sonhos que nos são, inevitavelmente, negados. O meu poderia ter sido um deles.

O primeiro contacto que tive com um saxofone foi no meu 4º ano da escola e, mais tarde, na Sociedade Filarmónica de Cucujães que, ao ouvir-me, convidou-me para fazer parte da banda filarmónica.

Nessa altura, era uma criança muito tímida, mas as atividades de convívio organizadas pela banda fizeram com que, aos poucos, me sentisse cada vez mais à vontade e confortável naquele meio. A dada altura, ainda que mal soubesse ler as notas na partitura, dei por mim a ficar entusiasmado sempre que chegava o dia do ensaio, nunca perdendo a oportunidade de estar presente e melhorar a cada semana. 

Ao mesmo tempo que esta experiência na filarmonia se desenrolava, concluí o 5º grau em música e, com apenas 16 anos, conseguia visualizar, cada vez mais, um futuro centrado nesta nova paixão.

Chegada a altura de escolher o caminho a seguir no secundário, não tive dúvidas de que esse caminho passaria pela música. Mas… música clássica ou jazz? O meu professor de saxofone incentivava-me a continuar com a música clássica, mas havia algo dentro de mim - um pressentimento, uma desconfiança - que me fez tomar um rumo diferente: escolhi jazz.

Improvisar foi o meu maior desafio. 

Para ultrapassar esta dificuldade precisei de me dedicar a 200% ao estudo: mal chegava a casa da escola, vindo de autocarro, dirigia-me à sede da banda filarmónica, que me forneceu uma sala para o efeito, onde ficava a estudar até às 2h da manhã. A essa hora, ia finalmente para casa (a pé, com as mochilas da escola e do saxofone às costas) para acordar no dia seguinte às 7h da manhã e começar a rotina outra vez. Estudava entre 3 a 5 horas todos os dias, aproveitando também os fins de semana, onde estudava entre 5 a 8 horas. 


Manter esta rotina de estudo ao longo de quase 3 anos foi extremamente cansativo. 

Estava tão obcecado em ser bom no improviso que, no final do secundário, senti que deixei fugir várias oportunidades de mostrar a minha evolução e aquilo que tinha aprendido ao longo desse tempo. A vida tinha sido só aulas - estudar - casa.

Por isso, decidi reformular este método de modo a obter o mesmo desempenho com menos tempo, para me candidatar à universidade.


Candidatei-me à universidade mais perto de mim, porque nem eu nem a minha família tínhamos capacidade financeira para suportar os custos de um quarto ou de uma casa. 


Feitas as provas práticas, fiquei em 3º lugar. Finalmente, todo o esforço feito atrás tinha valido a pena! Alguém que veio com bases de música clássica, não sabia nada acerca de jazz e mal conseguia improvisar, ficou em 3º lugar entre vários candidatos! 


Mas… não é suficiente.

Existindo apenas 2 vagas para saxofone na universidade, fiquei, irremediavelmente, de fora. 

Tinha de encontrar um plano B, mas qual? Agora começava a precisar de alguma independência e suporte financeiro, então decidi começar a trabalhar. Trabalhei na linha de produção de uma fábrica de componentes para automóveis durante esse ano e, chegado o novo ano estava na altura de preencher novamente a candidatura para a universidade, estudar para a prova prática, dar o meu melhor e ter esperança.

3º lugar.


Não foi nada fácil lidar com este resultado pela segunda vez consecutiva. Era o meu sonho e o meu maior objetivo dar seguimento aos meus estudos, aprender mais e tornar-me melhor músico. Chorei de frustração. A única coisa que me passava pela cabeça é que teria mais um ano pela frente de um trabalho que não me preenchia e não me fazia sentir realizado. 


Vi este padrão repetir-se por mais 2 anos. Percebi que não podia continuar assim. Não podia adiar o inadiável. Eu já era músico, sempre fui. Estava na altura de o mostrar de uma vez por todas.


O meu nome é Marco Costa, e com apenas 23 anos já toquei em várias bandas filarmónicas, fui professor de saxofone durante 4 anos, fiz parte de uma banda de covers e toquei em diversos eventos empresariais.



A vida vai sempre colocar obstáculos ao nosso caminho. É um teste. Mas onde é que está escrito que o meu valor enquanto profissional tem de estar limitado a um único momento de avaliação? Onde é que está escrito que apenas quando tiver um diploma poderei ver o meu sonho realizado? 


O meu sonho já se realizou. Em todos os momentos em que vejo pessoas a sorrir com a minha música, em todos os olhares animados, em todos os feedbacks sinceros…

…é aí que reside a minha maior fonte de realização.